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segunda-feira, 15 de abril de 2013

Sobre chaves, portas e fechaduras


Chaves, Oportunidades, Vida, Relacionamentos - www.samuelbonette.blogspot.com.br
Estávamos, enfim, a sós. Frente a frente. Olhei para ela, e nada mais se interpunha entre nós. Podia ver seus olhos me dizendo: “Tu mexes comigo”. Então, naquele misto de suspense e adrenalina, os segundos passando como se fossem horas, a expectativa latente, dei o primeiro passo e logo em seguida o último que me separava dela; estendi a mão, toquei no seu corpo e a girei lentamente em sentido horário uma, duas vezes. Podia sentir o seu corpo gélido a me separar do resto do mundo. Dentro das quatro paredes, sussurrei: “Chave, o que seria de mim sem você, para poder trancar esta porta?”. Ela não se manifestou, mas senti que estava cheia de orgulho por ter cumprido bem o seu papel.

Como diz um famoso texto que circula nos corredores da web, é tempo de deixar as roupas velhas, aquelas que já estão moldadas a nosso corpo, e vestir vestes novas (algo assim, não lembro o texto exatamente). Da mesma forma, é necessário trancar atrás de nós aquilo que não agrega. As férias que não deram certo, o negócio que não pode ser concretizado, o sonho que não pode ser vivido, o xingamento que levamos de graça, o corte que levamos do chefe ou do amigo amado, aquelas pessoas que só nos trazem problemas ou nos desencorajam, o arroz que queimou no dia do aniversário... Também precisamos, as vezes, trancar atrás de nós aquilo que nos faz crianças ou o que nos faz adultos, dependendo da situação pois ora agimos como crianças insistindo naquilo que jamais dará certo, ora agimos como “adultos”, deixando de lado o impulso infantil de sempre tentar e desistimos daquilo que daria mais certo na vida, bastando apenas um pouco mais de esforço.

Lembro-me da Porta da Esperança (aquela mesmo, do Sílvio Santos) e da Porta dos Desesperados (a versão ié-ié do Serginho Mallandro); nesta última, não raras vezes as crianças trocavam um presente legal por uma surpresa desagradável. Certamente que não sabiam o que tinha atrás da porta, mas depois de se esforçarem tanto pelo prêmio, acabavam trocando por uma coisa inútil; o contrário também acontecia algumas vezes, mas o mais marcante com certeza era a troca do legal pelo inútil. Frequentemente as pessoas associam portas com acesso, mas não posso deixar de refletir que, mesmo que a porta aberta significa acessar um lugar novo, também é saída do ambiente em que estou, ainda que seja um ambiente aberto. Portas também podem simbolizar escolhas erradas.

E por fim, sempre a enigmática chave. Um pequeno pedaço de aço que, combinado com o dispositivo da fechadura, pode selar um reino inteiro ou pô-lo em ruína. A porta numa parede ou muro é o que o torna vulnerável: se está aberta, todo o resto também está a disposição de quem quer que seja mas se estiver fechada é o que lacra e divide em dois o terreno. O que determina se o outro lado das paredes ou muro estão seguros é a capacidade da chave em garantir a inviolabilidade dos mesmos. A porta garante que há saídas, mas a chave garante que a possibilidade de sair é real. Não existe chave sem porta nem porta sem chave.

E afinal, de que lado da porta estamos? Estamos adentrando outro ambiente ou deixando o primeiro? E a chave está nos livrando daquilo que para trás fica e nos aproximando da felicidade ou nos levando para um caminho inexplorado, distante daquilo que temos e nos faz felizes? Estamos realmente diante da porta correta? E a chave? Será mesmo que devo levá-la para que possa, em tempo adequado, retornar e reabrir esta porta ou devo jogá-la por baixo da porta para que nunca mais tenha acesso ao que está ali?

As portas permitem o arrependimento, mas as chaves são implacáveis. A maior covardia de um humano é girar e retirar da fechadura uma chave cuja porta não poderá encontrar depois.

Samuel Bonette