Sabe quando começamos a fazer
um texto ao contrário? Não, acho que ninguém faz isto. Embora hoje eu tenha
feito. Enfim. O primeiro parágrafo que escrevi foi o derradeiro. A minha
introdução na verdade foi minha conclusão. Mas ainda não desça até lá, tenha
paciência, espero que no final tudo faça sentido para todos. Vou fazer uma
pequena linha do tempo para que entendam.
Hoje estou cansado. Na minha
discoteca mental o top das paradas de sucesso foi: “Boneco doido / vai boneco
doido / vai boneco doido / todo mundo vai te acompanhar”. Um tanto natural, em tempos de carnaval. Mas imaginem vocês que saí de
São Leopoldo e andei 36 km com esta música a todo volume dentro da minha cabeça.
Acelera, acelera, acelera, reduz marcha e velocidade, liga pisca, passa para pista
da direita, desliga pisca, aumenta velocidade e marcha, liga pisca para o outro
lado, passa para pista da esquerda, acelera, acelera, dá passagem para o
veículo que está vindo mais rápido que tu, acelera, acelera... E a música ali: “Boneco
doido / vai boneco doido...”.
Entremeio a direção e o “boneco
doido”, pensei sobre as pessoas com síndrome de Peter Pan, ou seja, pensam que
são eternas crianças ou adolescentes; pensei também sobre o quanto eu me sinto
assim, ainda que involuntariamente, especialmente quando não consigo resolver
um problema; ou quando ainda penso que todo mundo é mais alto que eu; ou quando
não me sinto adulto o suficiente para entender a complexidade de alguns
relacionamentos matrimoniais cujos entes partilham as suas multiformes
particularidades; ou ainda quando comparo meus comportamentos com comportamentos
de outros. Inevitavelmente, por vezes não consigo lidar com minhas expectativas
e frustrações e sinto-me uma criança.
Por outro lado, por toda a
minha sempre me relacionei com pessoas mais velhas que eu; embora tenha
desenvoltura com pessoas de todas as idades, buscando adaptar-me ao contexto no
qual estou inserido, naturalmente formei meu ciclo de amizades com pessoas mais
velhas que eu. Ao contrário, conheço pessoas que formam seus ciclos de amizade
sempre com pessoas mais novas, mas ao invés de servirem de referência para
tais, de forma que estes cresçam, agem como os mesmos, definhando assim seu
próprio crescimento. Não sou partidário de um jargão aí que diz que devemos
andar sempre com pessoas mais fortes que nós, pois o mesmo não se sustenta numa
visão macro, uma vez que eu iria querer andar com pessoas mais fortes que eu,
mas elas iriam me repudiar por ser mais fraco, logo ficaríamos todos sós.
Entretanto, precisamos ter um mínimo de “semancol” para não cair em tolices
infantis.
Quando estas coisas todas sobrepujaram
meu espírito, reconheci que precisava ouvir música. Então conheci estes versos e
achei genial: “Por força deste destino, um tango argentino me vai bem melhor que
um blues; sei que assim falando pensas que esse desespero é moda em 76. E eu
quero é que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês”. Acho genial
o fato de uma pessoa conseguir comprimir em alguns versos o sentimento que uma
população teve durante um ano inteiro! Creio que músicos são gênios, não no
sentido estrito e tradicional de se pensar a genialidade, mas sim como... uma
genialidade ao contrário. Disse para a Bibiana: este cara é um gênio, mas ao
contrário. Ela, por sua vez, respondeu genialmente: ele é, portanto, um oinêg.
Samuel Bonette