Estamos no Google+

quinta-feira, 6 de março de 2014

Boneco doido, vai boneco doido

Boneco doido, arte, música, relacionamentos, Belchior - www.samuelbonette.blogspot.com
Sabe quando começamos a fazer um texto ao contrário? Não, acho que ninguém faz isto. Embora hoje eu tenha feito. Enfim. O primeiro parágrafo que escrevi foi o derradeiro. A minha introdução na verdade foi minha conclusão. Mas ainda não desça até lá, tenha paciência, espero que no final tudo faça sentido para todos. Vou fazer uma pequena linha do tempo para que entendam.

Hoje estou cansado. Na minha discoteca mental o top das paradas de sucesso foi: “Boneco doido / vai boneco doido / vai boneco doido / todo mundo vai te acompanhar”.  Um tanto natural, em tempos de carnaval. Mas imaginem vocês que saí de São Leopoldo e andei 36 km com esta música a todo volume dentro da minha cabeça. Acelera, acelera, acelera, reduz marcha e velocidade, liga pisca, passa para pista da direita, desliga pisca, aumenta velocidade e marcha, liga pisca para o outro lado, passa para pista da esquerda, acelera, acelera, dá passagem para o veículo que está vindo mais rápido que tu, acelera, acelera... E a música ali: “Boneco doido / vai boneco doido...”.

Entremeio a direção e o “boneco doido”, pensei sobre as pessoas com síndrome de Peter Pan, ou seja, pensam que são eternas crianças ou adolescentes; pensei também sobre o quanto eu me sinto assim, ainda que involuntariamente, especialmente quando não consigo resolver um problema; ou quando ainda penso que todo mundo é mais alto que eu; ou quando não me sinto adulto o suficiente para entender a complexidade de alguns relacionamentos matrimoniais cujos entes partilham as suas multiformes particularidades; ou ainda quando comparo meus comportamentos com comportamentos de outros. Inevitavelmente, por vezes não consigo lidar com minhas expectativas e frustrações e sinto-me uma criança.

Por outro lado, por toda a minha sempre me relacionei com pessoas mais velhas que eu; embora tenha desenvoltura com pessoas de todas as idades, buscando adaptar-me ao contexto no qual estou inserido, naturalmente formei meu ciclo de amizades com pessoas mais velhas que eu. Ao contrário, conheço pessoas que formam seus ciclos de amizade sempre com pessoas mais novas, mas ao invés de servirem de referência para tais, de forma que estes cresçam, agem como os mesmos, definhando assim seu próprio crescimento. Não sou partidário de um jargão aí que diz que devemos andar sempre com pessoas mais fortes que nós, pois o mesmo não se sustenta numa visão macro, uma vez que eu iria querer andar com pessoas mais fortes que eu, mas elas iriam me repudiar por ser mais fraco, logo ficaríamos todos sós. Entretanto, precisamos ter um mínimo de “semancol” para não cair em tolices infantis.

Quando estas coisas todas sobrepujaram meu espírito, reconheci que precisava ouvir música. Então conheci estes versos e achei genial: “Por força deste destino, um tango argentino me vai bem melhor que um blues; sei que assim falando pensas que esse desespero é moda em 76. E eu quero é que esse canto torto, feito faca, corte a carne de vocês”. Acho genial o fato de uma pessoa conseguir comprimir em alguns versos o sentimento que uma população teve durante um ano inteiro! Creio que músicos são gênios, não no sentido estrito e tradicional de se pensar a genialidade, mas sim como... uma genialidade ao contrário. Disse para a Bibiana: este cara é um gênio, mas ao contrário. Ela, por sua vez, respondeu genialmente: ele é, portanto, um oinêg.



Samuel Bonette