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terça-feira, 23 de maio de 2017

Adelar - Quando a história é você

Escritor, crônica, Adelar, histórias - www.samuelbonette.blogspot.com.br
Hoje vou falar sobre o Adelar. 

Adelar é um sujeito baixinho, por volta de 1,65m, tem uma barriga saliente, cabelos castanhos nas laterais da cabeça e, no topo, uma careca bem lustrada. Pelo menos é o que ele diz, quando fala sobre sua careca. Adelar tem uma verruga quase imperceptível no canto do nariz e seus olhos são normais: nem grandes, nem pequenos, nem rasgados nem puxados, nem esbugalhados.

Adelar é um sujeito da capital mas tem um jeitão interiorano: gosta de usar calça e jaqueta jeans, camisa xadrez, sapato mocassim e na cintura, um enorme chaveiro , que avisa que sua chave está no bolso direito; não sei exatamente porque isto aconteceu, onde ele aprendeu a vestir-se assim.

Adelar escreve crônicas. Suas crônicas são publicadas diariamente em um jornal de grande circulação mas nunca com sua assinatura: Adelar vende suas crônicas para um famoso jornalista que apenas e simplesmente insere seu nome e, assim, publica as histórias do Adelar.

Se ele fica triste com isto? Não, ele não é muito pretensioso. Ele se contenta em ganhar dinheiro com isto (não é muito, mas está longe de ser pouco), olhar no jornal e saber que aquilo é seu e, claro, poder manter-se no anonimato.

Ele não fuma nem tem vícios, mas quase todo dia vai até uma lanchonete em frente a um parque perto de seu apartamento - que fica numa região boêmia da cidade, óbvio - pede uma bebida e fica ali sentado, com seu jeitão de homem do interior, com sua agenda de páginas douradas aberta e sua caneta azul em punho.

Adelar observa tudo: o garçom simpático que atende a todos como se fossem velhos conhecidos, o freguês que é um velho conhecido do garçom e fica feliz em revê-lo, dando-lhe um largo e simpático sorriso, o senhor de 50 anos que come à mesa com seu pai de 73 anos, os torcedores que ostentam uniformes de seu time do coração, enfim, nada passa desapercebido aos olhos dele, (apesar de ele ter os olhos normais, seus olhos não são grandes, nem pequenos, nem rasgados nem puxados, nem esbugalhados).

Ele também ouve tudo. Dali ele tira a grande maioria das suas crônicas, ouvindo as histórias de quem passa por ali e rabiscando-as na sua agenda com grandes letras garrafais. Tablet, celular e computador nunca estiveram nos seus planos, muito menos em suas mãos. Ele já perdeu a conta das histórias que contou e tem, na vida, uma única frustração, bem escondida: sua vida nunca foi personagem de uma crônica.

Por razões óbvias, ele nunca cogitou contar a própria história como se fosse a de outra pessoa - ele jamais poderia mentir para si mesmo. Mas hoje, 22/05/2017, Adelar estava na lanchonete, como de costume, e na mesa a sua frente sentaram quatro pessoas - um homem e três mulheres, um grupo bem heterogêneo e interessante. Adelar ouviu, ouviu, ouviu e lá pelas tantas pescou uma história interessante que estará no jornal de amanhã, assinado pelo jornalista que compra suas crônicas.

O que Adelar não sabia é que o homem que estava na mesa da frente era eu e agora sua história está sendo contada, como ele sempre sonhou: uma crônica sobre Adelar.

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