Adelar
é um sujeito baixinho, por volta de 1,65m, tem uma barriga saliente, cabelos
castanhos nas laterais da cabeça e, no topo, uma careca bem lustrada. Pelo
menos é o que ele diz, quando fala sobre sua careca. Adelar tem uma verruga
quase imperceptível no canto do nariz e seus olhos são normais: nem grandes,
nem pequenos, nem rasgados nem puxados, nem esbugalhados.
Adelar
é um sujeito da capital mas tem um jeitão interiorano: gosta de usar calça e
jaqueta jeans, camisa xadrez, sapato mocassim e na cintura, um enorme chaveiro , que avisa que sua chave está no bolso direito; não sei exatamente porque isto
aconteceu, onde ele aprendeu a vestir-se assim.
Adelar
escreve crônicas. Suas crônicas são publicadas diariamente em um jornal de
grande circulação mas nunca com sua assinatura: Adelar vende suas crônicas
para um famoso jornalista que apenas e simplesmente insere seu nome e, assim,
publica as histórias do Adelar.
Se
ele fica triste com isto? Não, ele não é muito pretensioso. Ele se contenta em
ganhar dinheiro com isto (não é muito, mas está longe de ser pouco), olhar no
jornal e saber que aquilo é seu e, claro, poder manter-se no anonimato.
Ele
não fuma nem tem vícios, mas quase todo dia vai até uma lanchonete em frente a
um parque perto de seu apartamento - que fica numa região boêmia da cidade,
óbvio - pede uma bebida e fica ali sentado, com seu jeitão de homem do
interior, com sua agenda de páginas douradas aberta e sua caneta azul em punho.
Adelar
observa tudo: o garçom simpático que atende a todos como se fossem velhos
conhecidos, o freguês que é um velho conhecido do garçom e fica feliz em
revê-lo, dando-lhe um largo e simpático sorriso, o senhor de 50 anos que come à
mesa com seu pai de 73 anos, os torcedores que ostentam uniformes de seu time
do coração, enfim, nada passa desapercebido aos olhos dele, (apesar de ele ter
os olhos normais, seus olhos não são grandes, nem pequenos, nem rasgados nem
puxados, nem esbugalhados).
Ele
também ouve tudo. Dali ele tira a grande maioria das suas crônicas, ouvindo as
histórias de quem passa por ali e rabiscando-as na sua agenda com grandes
letras garrafais. Tablet, celular e computador nunca estiveram nos seus planos,
muito menos em suas mãos. Ele já perdeu a conta das histórias que contou e tem,
na vida, uma única frustração, bem escondida: sua vida nunca foi personagem de uma crônica.
Por
razões óbvias, ele nunca cogitou contar a própria história como se fosse a de
outra pessoa - ele jamais poderia mentir para si mesmo. Mas hoje, 22/05/2017, Adelar
estava na lanchonete, como de costume, e na mesa a sua frente sentaram quatro
pessoas - um homem e três mulheres, um grupo bem heterogêneo e interessante. Adelar ouviu, ouviu, ouviu e lá pelas tantas pescou uma história interessante que
estará no jornal de amanhã, assinado pelo jornalista que compra suas crônicas.
O
que Adelar não sabia é que o homem que estava na mesa da frente era eu e agora
sua história está sendo contada, como ele sempre sonhou: uma
crônica sobre Adelar.
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